Fernanda Torres, ou towers, como foi carinhosamente chamada pelos gringos, o que você fez pelo Brasil? O que você fez na minha vida? E que vida boa, pelas deusas!
Em 2018, quando soube que iria interpretar a Eunice Paiva, eu já tinha lido o livro dilacerante do Marcelo e fiquei um pouco intrigado. Como? Vani? Fátima? Será possível? Daí lembrei da Simone e da Rosana Reis de Selva de Pedra, e pensei por que não? Lembrei de tantos personagens sérios que interpretou e as imagens foram se acertando na minha mente, você e Eunice eram uma só.
Fiquei feliz com a escalação. Ainda mais quando soube que a Fernanda Montenegro faria uma transição de tempo da personagem. Lógico, o Walter, gênio, pensou em tudo. E Selton Mello, chegando junto, só poderia ser incrível. E foi!
Mas a transformação maior viria depois. Em meio a tantos professores que admiro e escuto, o Lama Padma Samten, o monge Thich Nhat Hanh, Freud, Lacan e Maria Homem, eu vi que você estava dialogando com todos eles e falando tantas coisas importantes para mim e para tanta gente!
Uma divindade foi o que você se revelou, Nanda. Já estou íntimo. Construí um altarzinho para você aqui em casa, com um budinha redondo, ao lado da sua imagem, lembra de “A casa dos budas ditosos”?
Claro que estávamos eufóricos com o Globo de Ouro e o Oscar, mesmo que você dissesse ser “uma montanha muito grande para escalar”. A gente queria muito, porque brasileiro é competitivo demais e não aceita perder. Mas você foi certeira. Muita calma nessa hora, pés no chão, cabeça levemente nas nuvens.
Você dizia que ter sido nominada já era vencer. Então curtimos o momento, celebramos Eunice, o cinema nacional e o seu reconhecimento. A atriz era só o instrumento, o meio. Quantas vezes você tocou meu coração, me ajudou com seu jeito buda de ser, dizendo “perder é ótimo, perder é muito bom, perder me ensinou tantas coisas”.
Os jornalistas, em busca de alguma fala que a denunciasse, vinham sempre repetindo os mesmos clichês, falando que você havia derrotado Nicole Kidman, Angelina Jolie, Kate Winslet. E você corrigia, “gente, ninguém derrotou ninguém, somos mulheres vitoriosas!” Uma lama, você!
Os abutres foram fuçar nos arquivos e encontraram um black face! E, imediatamente, você se desculpou. E pediu carinho quando a atriz de outro filme concorrente veio ao Brasil, porque ela havia sido igualmente carinhosa e receptiva com você em Hollywood, numa festa com Brad Pitt. Com o Brad!
Logo depois descobriram coisas que a tal atriz tinha escrito, horrores. Ainda bem que não fomos nós, porque brasileiro gosta de passar vergonha na internet.
Então veio a noite do Oscar. E mais uma vez você acertou: calma gente, sou uma atriz que fala português, do Brasil. Estar aqui já é uma vitória, tantas atrizes talentosas e você jogando os holofotes para os outros e para Eunice, que a essas alturas era tão famosa quanto pela sua linda história contada.
Tentaram te vestir com os melhores figurinos, ficou linda! Mas eu não conseguia deixar de vê-la, vestida de rosa, passeando com a Sueli, indo comer uma esfirra no Seu Chalita, brigar com o Armani.
Ganhar um Oscar é uma trajetória semelhante àquela da sua personagem Áurea, em “Casa de Areia”, que você fez lindamente como sua mãe, Fernanda Montenegro. É árido, inóspito, exigente. Mas você o faz tão bem, com tanta dignidade.
Os franceses, com ciúmes de sua interpretação, disseram que era monocórdia. Mentira. E a Eunice saindo de casa, chorando a morte do cãozinho, batendo no vidro do carro, “cadê o meu marido?”. Revolução a gente faz também sorrindo, com a família, para foto de revista. E que cenas, jamais vou esquecer enquanto ainda estiver por aqui.
Uma semana antes da maior premiação do cinema, você encontra com a fofa da Ariana Grande e se abraçam, felizes, como se fossem velhas amigas e performa a Elphaba. Alô, diretor de The Witched 2! Uma participação da nossa atriz mais querida na sequência do filme que sai esse ano. Sei lá, pode ser a bruxa brasileira, uma cartomante, uma iara, um orixá! E por que, não?
Então, “Ainda estou aqui” ganhou o Oscar de filme internacional! Viva o Brasil, a vida é boa.
Perdemos a estatueta de melhor atriz. Ficamos tristes, claro. Mas, espera aí. Não perdemos, não! Um dia após a festa exaustiva do Oscar, você, Nanda, tomada pela lucidez, pede aos brasileiros que mandem amor para Mikey Madison. Enquanto gente terrível tentava desmerecer a vitória da outra brilhante atriz, você pedia amor. E a Mikey nem tem rede social. “Todas nós ganhamos! Fomos indicadas! Perder para gente assim é muito bom!”, você ensinava.
Nanda, você virou diva em tempos de pouca lucidez. Uma deusa. É como aquela canção dos anos 1988 que a Vani cantava no chuveiro enquanto discutia com o Rui: “e as coisas que você me diz, me levam além”!
*Este texto foi imaginado e criado por uma pessoa de carne, osso e cérebro, a partir de observações do cotidiano.
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é tão legal - assim e quase sem querer : a vida presta
Interessante como esse acontecimento “Fernanda” trouxe tanto pra todos nós. Bonito texto e não conhecia o poema, muito bom. Abraços